Queridos amigos,
O Major de Cavalaria Luís António Carvalho Viegas entrou de pingalim em riste, destituiu a Assembleia Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau, encontrou-lhe sérias ligações com o que se estava a passar naquele exato momento na sublevação em Canhabaque, resistente contra uma medida do Governo que estava em vigor em quase a totalidade das colónias, mordera mesmo quem lhe estava a fazer bem, pois não tendo fundos para comprar o edifício para a sua sede pedira um adicional sobre a importação no porto de Bissau, e revelava claramente um desinteresse absoluto na colaboração com o Governo, isto no mesmo Boletim Oficial em que por portaria se ordenava um rigoroso inquérito aos acontecimentos ditos anormais da cidade de Bissau. Criou-se o Império Sporting Club de Bissau, muito provavelmente a partir de 1951, quando desapareceram colónias e apareceram as províncias ultramarinas terá nascido o Sporting Clube de Bissau. Mais adiante Carvalho Viegas também aparece impetrante contra os procedimentos da Associação Comercial de Bolama. E provavelmente o leitor irá ficar com o resumo do documento enviado para a 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português, era assim a Guiné em 1936, curiosamente o que se pede é o que irá ter andamento nos anos subsequentes.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa (o primeiro semestre de 1936) (46)
Mário Beja Santos
Este período de 1936 é fundamentalmente ocupado por questões de Canhabaque e pela participação do representante da Guiné na 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português. No Boletim Oficial da Colónia n.º 1 vamos ser informados do estado de sítio na ilha de Canhabaque e na destituição da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau, acusada de ligação às sublevações de Canhabaque; e não deixa de ser importante ler o que Rodrigo de Sousa Coutinho Osório de Castro, em representação da Guiné enviou como relatório para a 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português.
Na Portaria n.º 1 publicada no Boletim Oficial, com data de 4 de janeiro, escreve o Major de Cavalaria Luís António de Carvalho Viegas:
“Tendo ocorrido em Bissau factos anormais, atentatórios da ordem e tranquilidade públicas e que urge averiguar para o fim de serem tomadas as correspondentes responsabilidades; Considerando a extrema gravidade do caso que pode assumir proporções de melindrosa contingência, sabido que os aludidos factos se estão desenrolando precisamente na altura em que o Governo da Colónia acaba de declarar, por motivos da rebelião indígena, o estado de sítio na ilha de Canhabaque;
Considerando que a coincidências destas ocorrências obriga o Governo a adotar medidas rápidas e enérgicas que extirpem focos de subversão da ordem social, evitando a sua propagação entre o elemento nativo, o que seria de bem perigosas consequências;
O Governador da Colónia da Guiné, no uso das faculdades que lhe são atribuídas, determina:
1.º É ordenado um rigoroso inquérito aos acontecimentos anormais da cidade de Bissau, para o apuramento das responsabilidades individuais ou coletivas da ocorrência, inquérito que deverá ter feição sumária.
2.º Fica encarregado do referido inquérito o Administrador do Quadro Administrativo Alberto Gomes Pimentel.”
No mesmo Boletim Oficial temos um diploma legislativo e vamos perceber o que aconteceu em Bissau. É referido que a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau provocou o incitamento à indisciplina social, promovendo manifestações coletivas atentatórias da ordem e da tranquilidade públicas. Diz-se que a mesma associação já por várias vezes manifestara o seu espírito de rebelião, e por isso fora dissolvida temporariamente em 1929; juntaram-se a esta associação elementos a ela estranhos capitaneados por agitadores de profissão, alguns com cadastro judicial; associação que não se moveu sequer pelo sentimento patriótico, agora que foi proclamado o estado de sítio na ilha de Canhabaque; promoveu reuniões clandestinas, desviando-se dos seus verdadeiros fins associativos; a resistência desta associação contra uma medida do Governo, em vigor na quase totalidade das colónias, não tem a apoiá-la qualquer razão séria de ordem económica ou de interesse de classe; e não tem procurado cooperar a favor das questões sociais que interessam à coletividade, apesar das constantes instâncias para uma intima colaboração com o Governo. E após um outro punhado de considerandos e invocada a legislação pertinente, o governador manda dissolver a associação e o edifício em construção destinado a ser usufruído para sede dessa coletividade entra imediatamente na posse do Estado.
No Boletim Oficial n.º 6, de 10 de fevereiro, são aprovados os estatutos do Império Sporting Club de Bissau, a agremiação destinada a promover e praticar todos os jogos desportivos e recreativos, festas para a distração dos seus associados e concorrer para o desenvolvimento intelectual destes. Neste mesmo Boletim Oficial dá-se a saber que o Governo da colónia solicitara à única associação económica e profissional existente na cidade de Bolama, a Associação Comercial de Bolama, a nomeação de quatro vogais para fazerem parte da Comissão Municipal da cidade. E o governador escreve o seguinte:
“Considerando que as pessoas indicadas para vogais efetivos não estão em condições de oferecerem garantias de idoneidade moral para representarem condignamente o comércio, proprietários, empregados do comércio, visto que um dos referidos elementos tem vários processos, um a correr no Tribunal Militar por lhe haverem sido apreendidas 22 latas de pólvora, outro a ir para o Tribunal da comarca por possuir ilegalmente uma arma de fogo e não ter pago a respetiva multa, e, ainda mais, um outro que segundo os depoimentos de vários indígenas feitos prisioneiros na ilha de Canhabaque foi quem vendeu a maior parte da pólvora sem a qual não se podia ter dado a rebelião do gentio e de que resultou a perda de dezenas de vidas, mais do que uma centena de feridos; e quanto ao outro eleito, por haver na documentação do Governo comunicação da Companhia Colonial de Navegação que não lhe foram ainda pagas as passagens que em tempos àquele lhe concedera; considerando que, por prudente recado, tendo sido comunicados, confidencialmente, à associação comercial tais factos, e pedido a substituição desses vogais efetivos, a assembleia quis manter a sua eleição.”
E com mais outros considerandos a eleição dos vogais efetivos e suplentes deverá ter uma nova eleição.
Logo no primeiro Boletim de 4 de janeiro, o governador nomeara um funcionário, Rodrigo de Sousa Coutinho Osório de Castro, para representar a Guiné na 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português. Este funcionário elaborou em Bissau, com data em 12 de janeiro, um relatório, que aqui relevamos algumas análises:
“Colónia onde apenas desde 1915 foram abertas as primeiras estradas, pelas necessidades da sua pacificação e ocupação, no curto prazo de 22 anos, quase exclusivamente com os seus, de começo, parcos recursos (…) Urge que esta colónia possua transportes rápidos e seguros que lhe permitam lutar com as vizinhas colónias francesas (...) Colónia com carências absolutas, rede de estradas em grande parte em péssimo estado. Na Guiné existem 245 viaturas automóveis das quais 166 camiões e 79 automóveis, na sua maioria modelos antiquados, abundando os camiões Ford, modelo T. No tocante à aviação, havia um campo de aterragem em Bolama, o de Bissau ainda não estava concluído. Na navegação fluvial, havia três vapores do Estado a necessitar de substituição por outros movidos a óleos pesados, havendo também a necessidade de adquirir um rebocador para fazer o serviço de farolagem, porque é perigoso fazê-lo com os barcos existentes. Os portos interiores estão desprovidos de qualquer utensilagem. Não há trabalhos de irrigação na colónia, os telégrafos são deficientes. No tocante aos portos marítimos, o de Bissau necessita de importantes obras, o de Bolama apenas exige o prolongamento da sua ponte-cais.”
O relator apresenta um plano de obras públicas onde cabem material de apetrechamento maquinista (britadeiras, tratores…), obras (construção das pontes de Ensalmá, sobre o Geba, Braia, Armada, Puloa), edifícios (Palácio do Governo, escolas primárias, bairro para residência de funcionários da cidade de Bissau), portos (grande reparação da ponte-cais de Bissau, prolongamento da ponte-cais de Bolama), estradas (abertura de nova estrada S. João-Fulacunda-Xitole) e reparação geral e retificação do traçado das restantes estradas, faróis (conclusão do plano de farolagem dos serviços da Marinha, construção dos faróis da ilha das Cobras-Areia Branca-Ponte Barel e Orango).
A finalizar o seu relatório, expõe o cômputo de receitas das explorações das obras que se pretendem realizar, modo de pagamento e o plano de fomento das comunicações marítimas e fluviais da Guiné, bem como os correios e telégrafos. Castro Osório conclui falando da necessidade de rever os acordos com a África Ocidental Francesa para o alargamento dos serviços postais e telegráficos e também os estabelecimento de acordo com os correios de Cabo Verde para permuta radiotelegráfica com todo o arquipélago.
Luís António Carvalho Viegas, foi Major de Cavalaria enquanto Governador da Guiné, terminou a sua carreira em Brigadeiro
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Nota do editor
Último post da série de 23 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27047: Historiografia da presença portuguesa em África (491): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 930-1936 (45) (Mário Beja Santos)